O rancor
nosso de cada dia.
Muitas
vezes, eu me esqueço de coisas que aprendi. Mas
não é um esquecer voluntário, aquele do desapego. É um esquecer sem querer
mesmo. Totalmente sem querer. Problemas da idade? Acho que não, acredito que
tenha sido assim desde sempre.
E quando falo
em aprender, não me refiro a ter que saber fórmulas de física ou descrever
todos os elementos da tabela periódica (meus pesadelos da época de escola).
Tenho uma memória estranha. Um cheiro pode despertar lembranças. Uma música,
toda uma história.
Às vezes, me
pego confundindo anos e épocas. Colocando um fato na frente do outro na minha
linha do tempo, quando na verdade, o inverso é que é o certo. Acho que sinto
mais do que guardo. E não sei se isso é bom ou ruim.
Pode ser que
isso explique a minha incredulidade (não sei se essa seria a palavra mais
adequada) quando ouço uma pessoa falar ou demonstrar raiva de algo que
aconteceu mês passado ou anos atrás. Para mim, isso não faz sentido.
Antes que
pensem, eu não sou um Buda. Eu sinto raiva. Antes eu a guardava e tentava não
demonstrar e descontava de alguma forma. Hoje eu a sinto e demonstro de uma
forma reativa e violenta que não me agrada. Minha meta é melhor lidar com ela
(sem nega-la).
De qualquer
forma, eu a sinto, mas sinto na hora e depois passa. Momentos como estes costumam
não fazer parte de minhas memórias recentes ou não. Na verdade, eu ainda não
entendi este meu mecanismo de defesa.
E assim, eu
não consigo sentir raiva de um ex-chefe que queria controlar o meu hábito de
navegação na Internet (quando já não era mais meu chefe). Nem de um grande
amigo que fora convidado para ser meu padrinho de casamento e não apareceu no
dia.
E a
tristeza, a que veio?
Outro dia, postei
um artigo de jornal em uma rede social que foi compartilhado muitas vezes (não fui o primeiro). Ele pontuava uma diferença cultural entre nações.
Senti no comentário de algumas pessoas um certo ranço ao mencionar a palavra
orgulho.
Posso estar
totalmente errado (e gostaria de estar), mas senti que este orgulho estava
disfarçando uma variação deste mesmo sentimento. Ele estava travestido de
soberba. E esta dita soberba me entristeceu um pouco.
Senti que ela
criava uma lacuna entre estas pessoas e as outras. Colocando-as em lados
opostos. E de certa forma, eximindo a responsabilidade das primeiras na
transformação de um coletivo onde os dois lados fazem parte.
E que contrapunha
a essência do artigo que falava de humildade. E analisando bem,
este fato me entristeceu muito mais por me identificar com a soberba. Pois,
ainda que com certa dificuldade (memória, lembra?), resgatei momentos onde fiz
uso deste sentimento.
E ao fazer
uso deste sentimento, me distanciei de algumas pessoas.
Deixando de me colocar no lugar delas. E quando isso aconteceu, fui extremamente
intolerante. Pois deixando de vê-las como elas são, passei a exigir delas o que
exijo de mim.
Eu sei,
preciso ser mais suave comigo mesmo. Em algumas áreas tenho obtido mais sucesso
do que em outras. Mas a natureza é cíclica e temos que respeitar os limites que
ela impõe. Respeitando o ritmo e seguindo devagar e em frente, sempre.
Me
entristece olhar para os meus erros do passado e me entristece mais ao saber
que eles foram responsáveis por rompimentos que poderiam ser evitados. Perdi em
alguns casos e ganhei em outros. De
todos os modos, tolerância é a palavra da vez.
Que medo, meu!
Recentemente
fiz uma cirurgia que na minha concepção, foi um processo simples. Ainda que
exigisse muitos cuidados, passei por uma intervenção rápida e praticamente
indolor. Mas falo isso agora, na hora “h” não foi bem assim.
Senti medo,
muito medo. Logo depois de receber a anestesia, tive um ímpeto de tirar tudo
aquilo que me prendia e sair correndo. E não era o medo do corte, da cirurgia
ou de algo que estivesse presente naquele momento.
Era o medo
de, por qualquer motivo, morrer. Morrer por erro, morrer por alergia à
anestesia. Eu sou rebelde e por
consequência, meu corpo também. Vai que toda a química que correu por minhas
veias resolvesse falhar.
O medo era
tamanho que, dias antes da cirurgia, comecei a resgatar todos os logins e senhas de tudo que tenho por aí, banco,
cartões, contas, perfis das diversas redes sociais e por aí vai. Tive que
refazer algumas que esqueci (memória ou falta dela, de novo - rs).
Confesso que
tenho medo de algumas coisas, de algumas perdas, mas nunca – que eu me lembre –
tinha sido tomado por ele desta forma, com esta intensidade. Ele sempre veio de
uma forma branda, na verdade, em momentos muitos específicos.
Em momentos
de tensão extrema, temia não dar conta. Tinha medo de falhar, de errar, de não
entregar algo que as pessoas me confiaram fazer. Isso me endureceu muito. Me
tornei muito intransigente comigo mesmo e com as pessoas que estavam no meu
entorno.
Não sei se
conseguirei pedir perdão a todas as pessoas com as quais falhei de alguma
maneira. E nem sei se elas me perdoarão, de fato. Mas praticarei a gratidão, enaltecendo
o aprendizado. Começarei me perdoando por tudo isso. E isso é só o começo.
A alegria de
ser quem sou.
Em muitos
momentos, me senti distante da maioria das pessoas. Tipo um peixe fora d´água.
Total fora de órbita. Não tinha grupo, não me identificava com nada. Não me
adequava a nada. Por defesa, criei um personagem.
O cara legal.
Que com o passar do tempo, transformou-se no bonzinho, no complacente, no
ombro-amigo. Naquele que fazia quase tudo para ser aceito. Mas a persona não
resiste e a máscara cai.
Conflitos
emergem. Quem, de verdade, eu sou? Qual é a minha essência? Até onde devo me
mostrar? E para quem? Muitas perguntas e as respostas que não vinham quando eu
queria. Tive que comer muito arroz e feijão para encontrar todas elas.
E elas não
estão totalmente respondidas (ainda bem). Hoje não tenho a necessidade de ter
todas elas. E tudo bem assim. Mesmo porque, outras perguntas deverão surgir por
aí e com o tempo.
Caminhei,
cai, levantei. Encontrei pessoas. Me vi nelas. Aprendi. Errei. Assumi estes
erros. Perdoei. Segui em frente. Sorri, chorei, cai de novo. Levantei novamente.
Encontrei minha tribo e tive aquela deliciosa sensação de pertencimento.
Encontrei-me
em outras pessoas. Olhei nos olhos do outro e tive a chance de sentir que
olhava para os meus próprios olhos. Reconheci o meu pior e o meu melhor em
muita gente. Era como se eu olhasse num espelho e enxergasse a minha alma, como
ela é.
E nesta
caminhada, tive a alegria de conhecer pessoas fantásticas, compartilhar
histórias incríveis, crescer junto, realmente. Transformar padrões e quebrar
paradigmas. É uma experiência que não consigo ignorar (ou desver). Ainda que
tente, às vezes.
O que seria
do afeto se o outro não existisse?
Nestes
últimos dias, por conta de agendas truncadas e de alguns “nãos”, consegui
reservar um tempo para cuidar e arrumar algumas coisas minhas. E este tempo
incluiu olhar para dentro e fazer uma revisão. Tipo faxina mesmo.
Eu tive a
oportunidade de contemplar o silêncio. E todo o barulho também. Discussões,
ironias, brigas, ofensas. Troca de farpas. Violência gratuita. De todos os
lados. Erro de todos os lados. Intolerância de todos os lados. Todo mundo defendendo
o seu ponto de vista.
Lados
opostos. Quem sou eu se ignoro você? Eu
não te escuto, mas te mando tomar ki-suco. Eu não te conheço, mas me sinto no
direito de lhe mandar tomar ki-suco. E é ki-suco jorrando para todos os lados.
Direita ou esquerda.
E o coletivo
se perde quando existem os outros e eu. Eu defendo a verdade. Você, não. Eu
estou certo. Você, não. Eu, tudo e você, nada. Estamos no tempo em que só se
conjuga verbos na primeira pessoa do singular. Sou eu e os outros, mas eles não
sabem conjugar.
Temos noção
de rede, falamos de networking, mas não estamos conseguindo olhar para o outro,
prestar atenção no que ele traz, na sua história. Estamos perdendo a capacidade
de escutar, de compreender e de nos reconhecer no outro.
Estamos
perdendo a essência de rede em sua forma mais primitiva. Estamos perdendo a
capacidade de nos conectarmos uns com os outros e de sermos um só. De verdade.
E não só no futebol. Enquanto os lados prevalecerem, pouca coisa mudará.
Ainda bem
que tenho encontrado gente que tem me ensinado muito sobre muitas coisas. Gente
que não tem a obrigação de pensar exatamente como eu. Mas possui algumas ideias em comum. E isso basta para começarmos a operar grandes
mudanças.
E você, o
que sente?